Incêndios em Edificações de Concreto Armado: Comportamento, Normas, Proteção e Recuperação Estrutural

 




ESTRUTURA DE UM PRÉDIO EM CHAMAS.
IMAGEM FICTICIA DE UM INCENDIO ( IA)

Os incêndios em edificações representam uma das mais severas condições acidentais às quais uma estrutura pode ser submetida. A elevação súbita da temperatura, a perda de integridade dos materiais e o colapso parcial ou total da estrutura tornam os incêndios um fenômeno crítico tanto sob o ponto de vista da segurança das pessoas quanto da estabilidade estrutural.

No contexto da engenharia civil, as estruturas de concreto armado têm demonstrado melhor desempenho frente ao fogo quando comparadas a sistemas metálicos ou de madeira, graças à sua baixa condutividade térmica e maior massa térmica. Entretanto, essa resistência não é infinita. Temperaturas elevadas degradam o concreto e o aço, alteram suas propriedades mecânicas e podem levar ao colapso progressivo da estrutura.

Compreender o comportamento do concreto armado em situação de incêndio é essencial para projetistas, peritos e engenheiros de manutenção predial. Além de atender às normas de segurança contra incêndios, o conhecimento técnico sobre proteção passiva, ensaios pós-sinistro e recuperação estrutural é determinante para a tomada de decisões corretas após um evento térmico severo.


1. Estruturas de Concreto Armado: Conceito, Composição e Comportamento Mecânico

O concreto armado é um compósito formado pela associação de concreto simples (mistura de cimento Portland, agregados miúdos e graúdos, água e aditivos) com armaduras de aço estrategicamente posicionadas para resistir aos esforços de tração.

1.1. Função dos materiais

  • Concreto: resiste principalmente às tensões de compressão, sendo responsável pela forma e pela rigidez do elemento estrutural.

  • Aço: absorve as tensões de tração e flexão, garantindo ductilidade e capacidade de redistribuição de esforços.

  • Aderência aço-concreto: é o elo que permite a solidarização dos materiais. Em situações de incêndio, essa aderência pode ser severamente comprometida.

1.2. Importância do cobrimento

O cobrimento — camada de concreto que envolve as armaduras — desempenha papel essencial na proteção térmica do aço.
A NBR 15200:2012 estabelece espessuras mínimas de cobrimento conforme o tempo requerido de resistência ao fogo (TRRF) e o tipo de elemento estrutural.

“O cobrimento das armaduras deve ser suficiente para garantir a aderência e a proteção contra a corrosão e a ação do fogo.”
(ABNT NBR 15200:2012, item 6.2)

Um cobrimento insuficiente pode antecipar o aquecimento das barras de aço e levar à perda total da resistência antes que o incêndio seja controlado.


2. Comportamento do Concreto Armado sob Ação do Fogo

Durante um incêndio, as temperaturas podem ultrapassar 900 °C em poucos minutos. O concreto, apesar de não ser combustível, sofre dilatações térmicas, decomposição química e fissuração interna que comprometem sua integridade.

2.1. Fases de degradação térmica

Faixa de temperaturaEfeito principalConsequência estrutural
25–100 °CEvaporação da água livreFormação de microfissuras
100–200 °CExpansão da água capilar e adsorvidaAumento da porosidade
200–400 °CDesidratação da pasta de cimentoRedução de resistência à compressão (≈25%)
400–600 °CDecomposição do hidróxido de cálcio (Ca(OH)₂)Perda de coesão e fissuras profundas
600–800 °CDesintegração da matriz e expansão do açoSpalling explosivo e colapso local
>800 °CFusão parcial da armaduraColapso estrutural global

2.2. Dilatação diferencial

O coeficiente de dilatação térmica do concreto é inferior ao do aço. Em altas temperaturas, essa diferença gera tensões internas que rompem a aderência entre os materiais.

2.3. O fenômeno do spalling

O spalling é o desplacamento violento de fragmentos de concreto devido à pressão interna do vapor d’água. Esse fenômeno reduz o cobrimento e expõe as armaduras diretamente ao fogo.

Estudos indicam que o uso de microfibras de polipropileno pode reduzir significativamente o spalling, criando microcanais de escape para o vapor durante o aquecimento.


3. Normas Técnicas Aplicáveis

A segurança estrutural em situação de incêndio é regida por um conjunto de normas brasileiras que abordam desde o dimensionamento até os critérios de ensaio e desempenho.

NormaTítuloAplicação
NBR 15200:2012Projeto de estruturas de concreto em situação de incêndioDimensionamento e TRRF
NBR 14432:2021Exigências de resistência ao fogo de elementos construtivosClassificação dos elementos e métodos de ensaio
NBR 8681:2021Ações e segurança nas estruturasDefine combinações de ações acidentais (incluindo fogo)
NBR 9077:2011Saídas de emergência em edifíciosSegurança de evacuação
NBR 13752:1996Perícias de engenhariaAvaliação pós-incêndio
IT 08 – CBM (Corpo de Bombeiros)Resistência ao fogo de elementos estruturaisCritérios regionais complementares

Essas normas devem ser aplicadas em conjunto com o Código de Segurança Contra Incêndio e Pânico de cada estado e com o Regulamento de Segurança Contra Incêndio do Corpo de Bombeiros Militar.


4. Classificação dos Incêndios

A classificação é fundamental para definir a resposta de combate e projetar os sistemas de proteção:

  • Classe A – Materiais sólidos comuns (madeira, papel, tecido).

  • Classe B – Líquidos inflamáveis (gasolina, tintas, solventes).

  • Classe C – Equipamentos elétricos energizados.

  • Classe D – Metais combustíveis (magnésio, alumínio, titânio).

  • Classe K – Óleos e gorduras (cozinhas industriais).

Cada classe requer agentes extintores e projetos de compartimentação específicos. No caso de estruturas de concreto, o maior risco está associado ao colapso decorrente de incêndios de classe A e B, que produzem calor sustentado e prolongado.


5. Proteção Estrutural: Passiva e Ativa

5.1. Proteção Passiva

Tem como objetivo aumentar o tempo de resistência estrutural até o colapso (TRRF).
Principais métodos:

  • Aumento do cobrimento e uso de concretos de baixa permeabilidade;

  • Revestimentos protetores: argamassas projetadas, placas de gesso acartonado, tintas intumescentes e painéis cerâmicos;

  • Uso de concretos especiais, como concretos refratários e concretos com microfibras;

  • Setorização e compartimentação arquitetônica, que limitam a propagação do fogo.

5.2. Proteção Ativa

Engloba os sistemas de detecção e combate: sprinklers automáticos, hidrantes, detectores de fumaça e alarmes visuais e sonoros.
Embora não protejam diretamente a estrutura, reduzem o tempo de exposição ao fogo, diminuindo o dano térmico.

A integração entre proteção passiva e ativa é uma exigência das normas modernas de segurança, sendo o único modo eficaz de garantir a estabilidade global durante incêndios prolongados.


6. Avaliação Estrutural Pós-Incêndio

Após o evento, a estrutura deve passar por vistoria técnica especializada conforme a NBR 13752:1996 – Perícias de Engenharia e a NBR 15575 – Desempenho das Edificações.

6.1. Etapas de avaliação

  1. Inspeção preliminar: registro fotográfico, croquis e mapeamento de danos.

  2. Ensaios não destrutivos: esclerometria, ultrassom, termografia e ferroscan.

  3. Ensaios destrutivos complementares: extração de testemunhos para ensaios de compressão e carbonatação.

  4. Modelagem estrutural: simulação numérica para estimar perda de rigidez e estabilidade.

  5. Laudo técnico conclusivo: define se há viabilidade de recuperação ou demolição.

6.2. Critérios para decisão

  • Recuperação é possível quando as armaduras mantêm aderência e o concreto não apresenta colapso estrutural.

  • Demolição é indicada quando há colapso parcial, deformações irreversíveis ou perda de estabilidade global.

Segundo Helene (2014), “a decisão entre recuperar ou demolir deve se basear em critérios técnicos e econômicos, jamais empíricos, considerando a segurança e o custo-benefício da intervenção.”


7. Métodos de Recuperação Estrutural

Quando tecnicamente viável, a recuperação envolve:

  • Remoção do concreto deteriorado e limpeza das armaduras;

  • Aplicação de passivadores e argamassas estruturais de alta aderência;

  • Reforço estrutural com fibras de carbono (CFRP), chapas metálicas ou adição de novas seções;

  • Reperfilamento das seções afetadas e novo cobrimento;

  • Ensaios de validação pós-reparo (ultrassom, carga e aderência).


8. Conclusão

O comportamento do concreto armado em situação de incêndio é um dos temas mais complexos e críticos da engenharia estrutural. Embora o concreto apresente desempenho superior a outros materiais em situação de incêndio, ele não é imune aos efeitos do calor extremo. A degradação térmica progressiva compromete sua coesão e pode levar à perda de capacidade estrutural e requer projeto cuidadoso, detalhamento correto e manutenção adequada.

Projetar e avaliar estruturas para resistir ao fogo é um dever técnico e ético do engenheiro. Cada detalhe — do cobrimento à compartimentação — pode significar a diferença entre a preservação da vida e o colapso estrutural.

O estudo contínuo, aliado à aplicação rigorosa das normas da ABNT e ao uso de tecnologias modernas de proteção e recuperação, é o caminho para edificações mais seguras, duráveis e resilientes.


📚 Referências Técnicas

  • ABNT NBR 15200:2012 – Projeto de estruturas de concreto em situação de incêndio.

  • ABNT NBR 14432:2021 – Exigências de resistência ao fogo de elementos construtivos de edificações.

  • ABNT NBR 8681:2021 – Ações e segurança nas estruturas.

  • ABNT NBR 13752:1996 – Perícias de engenharia.

  • HELENE, Paulo R. L. Concreto: Ensino, Pesquisa e Realizações. IBRACON, 2014.

  • SILVA, F. R. Estruturas de Concreto – Comportamento em Altas Temperaturas. PINI, 2020.

  • COSTA, A. M.; LOPES, J. S. Desempenho de Estruturas em Situação de Incêndio. Revista IPT, 2019.

  • IT 08 – Corpo de Bombeiros Militar de SP. Resistência ao Fogo de Elementos Estruturais, 2022.

🔍 O comportamento do concreto em incêndios é apenas uma parte do desempenho global das edificações.
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